Álvaro de Campos

Biografia de Álvaro de Campos

Álvaro de Campos (Heterônimo do poeta Fernando Pessoa).

Álvaro de Campos emerge como um dos múltiplos heterônimos do renomado escritor luso, Fernando Pessoa. Nas palavras do próprio Pessoa, Campos teve sua suposta origem em Tavira, Portugal, no dia 15 de outubro de 1890, porém, suas jornadas acadêmicas o levaram à Universidade de Glasgow, na Escócia, onde se dedicou à engenharia mecânica e naval. Esse heterônimo destacou-se como um inovador poeta vanguardista, acolhendo os princípios do sensacionismo e do futurismo. Entre suas obras mais aclamadas estão “Opiário” e “Ode Triunfal.”

Explorando a Vida de Álvaro de Campos

Álvaro de Campos é um dos heterônimos que habitam o rico universo literário do notável poeta português, Fernando Pessoa (1888-1935). Conforme a versão do seu criador, Campos veio ao mundo no dia 15 de outubro de 1890, na cidade portuguesa de Tavira. Um detalhe curioso: o horário de seu nascimento foi registrado como sendo às 13h30.

Já na juventude, Campos destacava-se pela sua altura notável para a época, com 1,75 metros, superando Fernando Pessoa em dois centímetros nesse quesito. Fisicamente magro, inclinava-se ligeiramente para a frente. Tinha uma aparência com pele que transitava entre o branco e o moreno, vagamente característica do tipo de judeu português, conforme descrito por Pessoa. Seus cabelos eram lisos, penteados para o lado.

Álvaro de Campos usava um monóculo e, de acordo com os registros, teve uma educação convencional de nível liceal. No entanto, ele foi enviado para a Escócia, onde aprofundou seus estudos em engenharia mecânica e naval na Universidade de Glasgow. Foi durante uma viagem de férias ao Oriente que ele concebeu o poema “Opiário”. Além disso, aprendeu latim com um tio, um padre beirão (natural da província de Beira, em Portugal).

A Essência da Poesia de Álvaro de Campos

A poesia de Álvaro de Campos revela um conjunto notável de características que a tornam única e moderna:

  • Traços modernistas, que refletem a sensibilidade da época;
  • Marcas futuristas, celebrando a máquina e a velocidade como símbolos do progresso;
  • Abordagem da vida urbana, em sintonia com a temática central de muitas de suas obras;
  • Sensacionismo, valorizando as sensações e a experiência sensorial;
  • Intensa emoção, capturada em sua linguagem marcante;
  • Linguagem por vezes agressiva, refletindo uma postura desafiadora;
  • Melancolia, expressando um desencanto diante da modernidade;
  • Versos tanto regulares quanto livres, demonstrando versatilidade e habilidade.

Em suma, Álvaro de Campos, como heterônimo de Fernando Pessoa, é uma figura literária que expandiu as fronteiras da poesia, incorporando as correntes artísticas do seu tempo e oferecendo uma perspectiva única sobre a experiência humana e as vicissitudes da modernidade. Suas obras continuam a cativar leitores e a influenciar a literatura contemporânea, deixando uma marca indelével no panorama da poesia portuguesa.

Poemas de Álvaro de Campos

Apontamento (Álvaro de Campos)
A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.

Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.

Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.

Não se zanguem com ela.
São tolerantes com ela.
O que era eu um vaso vazio?

Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.

Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.

Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
Um caco.
E os deuses olham-o especialmente, pois não sabem por que ficou ali.


Todas as Cartas de Amor são Ridículas (Álvaro de Campos)

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)


Trapo
O dia deu em chuvoso.
A manhã, contudo, esteve bastante azul.
O dia deu em chuvoso.
Desde manhã eu estava um pouco triste.

Antecipação! Tristeza? Coisa nenhuma?
Não sei: já ao acordar estava triste.
O dia deu em chuvoso.

Bem sei, a penumbra da chuva é elegante.
Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, um elegante.
Bem sei: ser susceptível às mudanças de luz não é elegante.
Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante?
Dêem-me o céu azul e o sol visível.
Névoa, chuvas, escuros — isso tenho eu em mim.

Hoje quero só sossego.
Até amaria o lar, desde que o não tivesse.
Chego a ter sono de vontade de ter sossego.
Não exageremos!
Tenho efetivamente sono, sem explicação.
O dia deu em chuvoso.

Carinhos? Afetos? São memórias…
É preciso ser-se criança para os ter…
Minha madrugada perdida, meu céu azul verdadeiro!
O dia deu em chuvoso.

Boca bonita da filha do caseiro,
Polpa de fruta de um coração por comer…
Quando foi isso? Não sei…
No azul da manhã…

O dia deu em chuvoso.


Demogorgon (Álvaro de Campos)
Na rua cheia de sol vago há casas paradas e gente que anda.
Uma tristeza cheia de pavor esfria-me.
Pressinto um acontecimento do lado de lá das frontarias e dos movimentos.

Não, não, isso não!
Tudo menos saber o que é o Mistério!
Superfície do Universo, ó Pálpebras Descidas,
Não vos ergais nunca!
O olhar da Verdade Final não deve poder suportar-se!

Deixai-me viver sem saber nada, e morrer sem ir saber nada!
A razão de haver ser, a razão de haver seres, de haver tudo,
Deve trazer uma loucura maior que os espaços
Entre as almas e entre as estrelas.

Não, não, a verdade não! Deixai-me estas casas e esta gente;
Assim mesmo, sem mais nada, estas casas e esta gente…
Que bafo horrível e frio me toca em olhos fechados?
Não os quero abrir de viver! ó Verdade, esquece-te de mim!


Esta Velha
Esta velha angústia,
Esta angústia que trago há séculos em mim,
Transbordou da vasilha,
Em lágrimas, em grandes imaginações,
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.

Transbordou.
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas não: é este estar entre,
Este quase,
Este poder ser que…,
Isto.

Um internado num manicômio é, ao menos, alguém,
Eu sou um internado num manicômio sem manicômio.
Estou doido a frio,
Estou lúcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura
Porque não são sonhos.
Estou assim…

Pobre velha casa da minha infância perdida!
Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que é do teu menino? Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu teto provinciano?
Está maluco.
Quem de quem fui? Está maluco. Hoje é quem eu sou.

Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!
Por exemplo, por aquele manipanso
Que havia em casa, lá nessa, trazido de África.
Era feiíssimo, era grotesco,
Mas havia nele a divindade de tudo em que se crê.
Se eu pudesse crer num manipanso qualquer —
Júpiter, Jeová, a Humanidade —
Qualquer serviria,
Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?

Estala, coração de vidro pintado!


Estou Cansado
Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto —
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo…
E a luxúria única de não ter já esperanças?
Sou inteligente; eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.


Há Mais
Há mais de meia hora
Que estou sentado à secretária
Com o único intuito
De olhar para ela.
(Estes versos estão fora do meu ritmo.
Eu também estou fora do meu ritmo.)
Tinteiro grande à frente.
Canetas com aparos novos à frente.
Mais para cá papel muito limpo.
Ao lado esquerdo um volume da “Enciclopédia Britânica”.
Ao lado direito —
Ah, ao lado direito
A faca de papel com que ontem
Não tive paciência para abrir completamente
O livro que me interessava e não lerei.
Quem pudesse sintonizar tudo isto!


Resumo da Biografia de Álvaro de Campos

Álvaro de Campos, um dos heterônimos mais icônicos do ilustre escritor português Fernando Pessoa, nasceu em Tavira, Portugal, no dia 15 de outubro de 1890. No entanto, sua educação o levou à Universidade de Glasgow, na Escócia, onde se dedicou à engenharia mecânica e naval. Campos se destacou como um poeta vanguardista, abraçando princípios sensacionistas e futuristas, e suas obras mais famosas incluem “Opiário” e “Ode Triunfal.”

Sua biografia revela um homem alto, de aparência única, com um olhar perspicaz e cabelos lisos. Campos usava um monóculo e teve uma educação convencional, mas suas aventuras educacionais o levaram ao Oriente e à aprendizagem do latim com um tio padre da província de Beira, em Portugal.

Sua poesia é marcada por traços modernistas, celebrando o culto à máquina, a velocidade, e explorando a vida nas cidades. O sensacionismo é uma característica proeminente, valorizando as sensações e emoções, mas também refletindo melancolia e desencanto perante a modernidade. Sua linguagem é ousada, às vezes agressiva, e ele utiliza versos regulares e livres para expressar sua visão única do mundo.

Álvaro de Campos, como um dos heterônimos de Fernando Pessoa, deixou um legado duradouro na poesia portuguesa, continuando a cativar leitores e a influenciar a literatura contemporânea com suas obras inovadoras e sua abordagem única da experiência humana.